Texto enviado pelo leitor Pippo
"Entre
1700 e 1721, a Europa do Norte e do Leste viu-se a braços com a Grande Guerra
do Norte, um conflito que opôs a Rússia, a República Polaco-Lituana e a
Dinamarca (e mais tarde, o Hanover e a Prússia) ao Reino da Suécia, a potência
hegemónica no Báltico, auxiliada a meio da contenda pelo Império Otomano e por
algumas hostes de cossacos (outras optaram por permanecer aliadas à Rússia).
Nesta guerra, o Império Russo foi liderado por Pedro I, o Grande, enquanto a
Suécia foi liderada por Carlos XII.
Desde
meados do séc. XVI que a Suécia tinha vindo a estender a sua suserania sobre o
Mar Báltico, incorporando deste modo a Carélia, a Íngria, a Estónia e a
Livónia. Estas possessões foram confirmadas durante a Guerra dos Trinta Anos
quando a Suécia, liderada pelo famoso Gustavo Adolfo, estendeu os seus domínios
a parte do norte da Alemanha (Pomerânia Ocidental, Wismar, Verden e Bremen) e
ainda a algumas províncias dinamarquesas. Sob a liderança de Gustavo Adolfo, a
Suécia criou o mais bem treinado e equipado exército da Europa, capaz de
rivalizar com os exércitos do Império Habsburgo. Nos alvores do séc. XVIII,
fruto de reforças bem sucedidas no âmbito da administração civil e militar, a
Suécia conseguia manter um exército relativamente pequeno mas eficientíssimo, o
qual, bem liderado, obteve várias vitórias até 1709.
A infantaria
sueca, recrutada localmente, era composta por um terço de piqueiros, essenciais
sobretudo contra a excelente cavalaria polaca, sendo os restantes elementos
compostos por mosqueteiros. A táctica adoptada pelos suecos desde os tempos de
Gustavo Adolfo era a de disparar uma salva a curta distância seguinda de um
violento assalto às linhas inimigas, o que costumava resultar contra inimigos
menos preparados. Igualmente agressiva, a cavalaria chegava a constituir metade
do exército sueco.
Entre
finais do séc. XVII e princípios do séc. XVIII, o novo Tzar Pedro I, consciente
da fraqueza relativa da Rússia, nomeadamente nos campos técnico e militar,
encetou várias reformas, o sucesso das quais viria a transformar
permanentemente o mapa político da Europa.
No
âmbito militar, Pedro I herdou um exército antiquado, largamente baseado no
sistema inaugurado por Ivan IV o Terrível, sendo a infantaria constituída
maioritariamente pelos streltsy, ou “atiradores”, havendo ainda alguns
regimentos treinados à “ocidental”. Pedro, ainda antes de assumir o trono, já
havia dado os primeiros passos para uma reforma do exército ao criar um pequeno
corpo de tropas, o “poteshnye”, mais tarde alargado para dois regimentos da
Guarda, o Preobrazhensky e o Semienovsky. Os regimentos de infantaria russa estavam
organizados em dois batalhões, com as companhias de granadeiros agrupadas em
batalhões independentes (mais tarde agrupados em regimentos de granadeiros). Um
em cada cinco soldados estava armado com pique. A táctica adoptada era a do
emprego do fogo em salvas por linha ou pelotões. A cavalaria russa, numerosa,
consistia na sua quase totalidade por dragões (infantaria montada), considerada
mais apropriada para aquele teatro de operações. Não obstante os esforços de
reformas militares, havia, no início da guerra, um enorme hiato em termos de
treino e proficiência militar entre os exércitos da Suécia e da Rússia, o que
se viria a confirmar largamente na Primeira Batalha de Narva, que resultou num
sangrento desastre para as forças moscovitas.
A
guerra teve início com o ataque em três frentes das forças dinamarquesas,
polaco-lituanas e russas às possessões suecas no norte da Alemanha (Holstein) e
no Báltico (Livónia e Íngria). Mas em duas batalhas sucessivas (Travendal e
Narva), a Suécia derrotou os dinamarqueses e os russos e de imediato
contra-atacou os polacos cujo rei, Augusto II, o Forte, na opinião de Carlos
XII, teria de ser impreterivelmente deposto. A campanha contra os polacos
arrastou-se até 1706, o que deu tempo a Pedro I para reformar o seu exército,
recrutando mais homens, treinando-os segundo os métodos modernos da guerra e
equipando-os convenientemente.
Finalmente,
em Agosto de 1707, o rei Carlos XII, à frente de um exército de 44.000 homens,
retomou a ofensiva contra a Rússia. Pedro I ainda se ofereceu para devolver
todo o território entretanto conquistado pelas suas forças (à excepção de São
Petersburgo e a zona do Neva),
mas o rei sueco recusou a oferta.
O plano de Carlos consistia em avançar com as
suas forças a partir da Saxónia em direcção ao coração da Rússia, eventualmente
tomando Moscovo. Os russos, antecipando a estratégia que seria seguida um
século mais tarde contra Napoleão, retiraram à frente da força invasora,
encurtando as suas linhas de comunicações enquanto as do inimigo se distendiam
cada vez mais. Apesar da excelência do seu exército, as enormes exigências
orçamentais e logísticas colocadas à Suécia por uma guerra prolongada acabaram
por reclamar o seu preço. Naquela época, era suposto um exército manter-se à
custa das pilhagens e dos impostos cobrados nas terras recém-conquistadas,
contudo a política de “terra queimada” seguida pelos russos atingiu o calcanhar
de Aquiles do exército sueco, que exangue de dinheiro e de homens, começou a
sofrer a agudeza do conflito.
Passou-se
entretanto um ano desde o começo da ofensiva e o exército sueco, gravemente
afectado por epidemias que o haviam corroído durante o Inverno, saiu de Minsk nos princípios de Junho de 1708 em
direcção a Smolensk. Contudo,
devido a uma enorme carência de abastecimentos, Carlos optou por se dirigir a
sul, em direcção ao território da actual Ucrânia, onde se reuniu ao seu aliado
de ocasião, o cossaco Stepan Mazepa.
A
9 de Outubro de 1708 os russos obtiveram a sua primeira vitória na campanha
quando interceptaram uma coluna de abastecimentos liderada pelo General Adam
Lewenhaupt que pretendia reunir-se ao exército do rei Carlos. Na Batalha de
Lesnaya, os suecos perderam no total cerca de 5000 homens, ou seja, quase
metade dos seus efectivos, para além do parque de artilharia e da quase
totalidade dos tão necessários mantimentos para o exército.
Na
primavera do ano seguinte, Carlos retomou a ofensiva, mas o seu exército havia
já perdido cerca de um terço dos efectivos devido à falta de abastecimentos e
ao desgaste natural da campanha. No princípio de Maio, Carlos pôs cerco à
fortaleza de Poltava, no rio Vorskla, mas Pedro, ciente da aproximação do
inimigo, já havia preparado uma grande força de reacção e pôs-se rapidamente em
movimento. Entretanto, os russos, na tentativa de isolar as forças assediantes
de qualquer auxílio, atacaram a Sich dos cossacos da Zaporizhia aliados a
Carlos XII, eliminando-os da contenda.
A
28 de Junho, deu-se por fim a batalha.
Os
suecos alinharam cerca de 16.000 homens enquanto os russos colocaram em campo
cerca de 25.500. Enquanto Pedro comandava o exército russo, os suecos eram liderados
por Carl Gustav Rehnskold e Adam Lewenhaupt, uam vez que Carlos havia sido
ferido dias antes numa refrega enquanto inspeccionava as obras de cerco a Poltava.
Pouco
antes da quatro da manhã, os suecos abriram as hostilidades avançando formados
em colunas de infantaria secundadas pela cavalaria em direcção às linhas de
defesa russas a norte de Poltava.
De início, os suecos, superiormente treinados, abriram brechas nas linhas
russas, tomando alguns dos redutos inimigos. Os violentos combates, contudo,
provocaram pesadas baixas aos atacantes, que na confusão ficaram muito
desorganizados. Por volta das 4:30 da manhã a infantaria sueca recebeu ordens
para parar o seu avanço, retroceder de molde a reorganizar-se e flanquear os
redutos russos em direcção a norte, de forma a encontrar caminho desimpedido em
direcção ao acampamento principal do exército russo. No entanto, o Major General
Roos, desconhecedor das ordens dadas ao exército, continuou o seu avanço à
frente de 2600 homens, acabando por ficar isolado dos restantes efectivos
suecos quando uma força de 4.000 russos liderados pelo Tenente General Rentel reocupou
as fortificações entretanto perdidas. Com perto de 50% de baixas e
completamente cercado, Roos acabou por render-se por volta das 9:30 da manhã.
Reorganizados,
os suecos prepararam-se novamente para atacar as posições russas mas,
desconhecendo o seu destino, aguardaram debalde pela chegada das forças de
Roos. Os russos, entretanto, tomaram a iniciativa, saindo das suas posições e
formando em duas linhas de batalha apoiadas pela artilharia posicionada no
campo fortificado e por duas forças de cavalaria no flanco direito e esquerdo
lideradas, respectivamente, pelo General Bauer e pelo Príncipe Menshikov. Às
9:45h, o General Lewenhaupt deu ordens de ataque ao exército sueco. Avançando
sob um forte tiro de artilharia, os suecos aproximaram-se até à distância de 200m
das linhas inimigas, quando começaram a ser diimados por tiros de metralha da
artilharia russa. Não obstante, o avanço continuou. A 40m das linhas inimigas, os
suecos foram recebidos por um tão intenso tiro dos mosquetes russos que, nas
palavras de Lewenhaupt, pareceu “humanamente impossível que um só soldado das
nossa tão pressionada infantaria pudesse sair dali com vida”. Continuando a
avançar, os suecos fizeram alto, dispararam uma salva a curta distância,
potenciando ao máximo o poder de fogo dos seus mosquetes, e em seguida carregaram
o inimigo ao pique e à baioneta, conseguindo fazer recuar a linha russa apesar de
sofrerem baixas pírricas.
Com
o centro da sua linha fortemente pressionado, o exército russo fez-se então
valer dos números: com a sua linha mais extensa do que a sueca, a parte mais
forte do exército russo estava situada no seu flanco direito, onde estava posicionada
a Guarda. Os regimentos Preobrazhensky e Semionovsky, juntamente com outros
dois regimentos veteranos, atacaram o flanco esquerdo sueco, pondo-o em debandada
e expondo o flanco das restantes unidades inimigas. As cavalarias dos flancos esquerdo
e direito russo, lideradas por Menshikov e Bauer, convergiram sobre a cavalaria
sueca, sob as ordens dos Majores Generais Cruetz e Hamilton, que tentava
aliviar a pressão exercida sobre os regimentos suecos atacando a infantaria
russa. Rapidamente os suecos perderam coesão e iniciaram a fuga em pequenos
grupos. Carlos XII ordenou a retirada do exército pelas 11.00 da manhã mas a
maioria das suas tropas foi simplesmente esmagada pelo triunfante exército
russo. Dias mais tarde, a quase totalidade do exército sueco capitulou em
Perevolochna a 11 de Julho de 1709. O rei Carlos XII, contudo, conseguiu fugir
com cerca de 1500 homens para a Moldávia, então parte do Império Otomano, onde
viria a residir durante os cinco anos subsequentes.
A
estrondosa derrota das forças suecas, apesar de decisiva, não terminou de
imediato a guerra. A Dinamarca, a Saxónia e a Polónia voltaram às lides mas
Carlos provou ser irredutível. Seriam necessários mais doze anos de campanhas
militares, a conquista de Riga e Tallinn, e uma campanha naval por parte da
marinha russa (mais uma criação de Pedro I, o Grande) para que a Suécia
finalmente aceitasse depôr as armas pelo Tratado de Nystad, abandonando de vez
os territórios do sul do Báltico para a nova potência hegemónica na região, o
Império Russo."
7 comentários:
Estranho que Filipe não aproveitou a oportunidade para condenar Hetman Ivan Mazepa (http://pt.wikipedia.org/wiki/Ivan_Mazepa) pela "traição da mãe-pátria" lol lol
Lord Byron, Victor Hugo, Juliusz Słowacki, Ferenc Liszt, Pyotr Tchaikovsky, Michael Balfe lhe dedicaram as suas obras..
Ou não falou nada sobre Pylyp Orlyk http://en.wikipedia.org/wiki/Pylyp_Orlyk o autor de uma das primeiras Constituições democráticas da Europa http://en.wikipedia.org/wiki/Pylyp_Orlyk_Constitution
Porque é que haveria de perder tempo a falar de Stepan Mazepa?
O tema da publicaçaão é a batalha de Poltava, que determinou os destinos da Europa do Leste e marcou em definitivo a sorte de duas potências, a Suécia e a Rússia.d
Um dos pormenores curiosos desta campanha que opôs Pedro o Grande e Carlos XII foi a recusa por parte deste em aceitar a devolução de parte dos territórios conquistados pelos russos, o que levou Pedro a comentar algo do estilo "Carlos pensa que é um Alexandre o Grande, mas em breve descobrirá que eu não sou um Dario".
Na verdade, como se veio a constatar, foi Carlos XII quem acabou por ser Dario, ou melhor, Darios, pois não só perdeu a batalha (e a guerra), como Dario III, como a sua campanha sofreu o mesmo destino da campanha de Dario I contra os citas, que se saldou por um fracasso devido à constante retirada e política de terra queimada do povo nómada.
2 Pippo Filipe
Tens toda a razão, não vale a pena falares de “Stepan Mazepa”, mesmo porquê nem sei quem ele é...
2 Jest is on you
Óptimo! seja Stepan ou Ivan, não perco tempo a falar de figurantes quando temos em palco dois actores de primeira monta: Carlos XII e Pedro I!
Só para que conste. No dia 12.11.1708 Hetman Ivan Mazepa recebeu a anátema da IOR (pela decisão do Pedro I), que não foi levantada pela IOR até os dias de hoje. Constato que Estaline poderá ser beatificado mais depressa do que Mazepa "perdoado" pelos Moscovo e pelos moscovitas...
Mais uma vez, fala-se aqui do figurante... :0)
Adiante.
Durante a campanha, sobretudo na sua fase decisiva (1707 a 1709), os suecos cometerem três erros fundamentais:
Em primeiro lugar, a sua ofensiva foi extremamente vagarosa, o que deu aos defensores russos bastante tempo para se prepararem. Se Carlos tivesse sido mais rápido no seu avanço, provavelmente nem Poltava estaria tão fortificada nem o exército russo estaria no grau de prontidão em que estava aquando da batalha.
Em segundo lugar, a capacidade do exército sueco para conduzir operações prolongadas dentro de território inimigo revelou ser fraca, pelo menos dentro daquele teatro de operações, onde não tinha qualquer apoio de monta a não ser o de uns poucos cossacos.
Em terceiro lugar, Carlos XII, talvez movido por uma excessiva confiança, ou arrogância, ou simples falta de informações, menosprezou os seus adversários, Pedro o Grande e os soldados russos. O facto de ter conseguido duas notáveis vitórias (Narva e Holowczyn) contra o exército russo poderá ter contribuído para essa dose de desprezo, mas em 1707 Carlos deveria, ao menos, ter informações sobre o estado actual do exército russo e a diferença, ao nível do treino e equipamento, que o separava do exército que enfrentara em Narva, em 1700.
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