quinta-feira, setembro 05, 2013

Historiadores defendem devolução de arquivos da PIDE a Portugal

  O autor do livro “Cunhal, Brejnev e o 25 de Abril”, José Milhazes, defende que Portugal deve insistir na devolução de parte do arquivo da PIDE que ex-operacionais do KGB afirmam ter sido levado para a União Soviética.
A polémica sobre os alegados documentos da PIDE volta a surgir a propósito de novos dados publicados no livro “Cunhal, Brejnev e o 25 de Abril”, do historiador e correspondente da Lusa em Moscovo.
O autor de “Cunhal, Brejnev e o 25 de Abril” escreve que os arquivos da PIDE-DGS que foram levados para Moscovo permitiram aos serviços secretos soviéticos não só aceder a informação sobre Portugal mas também identificar uma “toupeira” da CIA no KGB, nos anos 1970.
José Milhazes recorda que a questão dos arquivos foi falada, pela primeira vez, pelo general Oleg Kaluguin, do KGB, que vive atualmente nos Estados Unidos, e que escreveu um livro nos anos 1990 sobre as atividades que desenvolveu nos serviços secretos soviéticos e “onde fala da operação de transferência dos arquivos” da PIDE.
“Mais tarde, outro livro que se chama “Arquivo Mitrokhine”, (Vassili Mitrokhine agente soviético que fugiu para Londres no início dos anos 1990 na posse de numerosos documentos secretos) e que foi publicado em Portugal, faz uma afirmação semelhante. Nessa altura falou-se nisso. O Ministério dos Negócios Estrangeiros (através do então ministro Jaime Gama) até tentou contactar as entidades russas para que o arquivo fosse devolvido, mas depois de terem recebido a resposta dos russos de que não tinham nada, não insistiram”, recorda Milhazes, considerando relevante o esclarecimento do assunto.
“Segundo aquilo que eu consegui apurar, a diplomacia respondeu que em Moscovo não havia arquivo nenhum, mas isto trata-se de um processo diplomático e apresentando provas de russos vai ser difícil eles dizerem que isso não aconteceu. Por exemplo, é pegar nas revelações feitas pelos russos, com base nesse arquivo”, afirma José Milhazes, correspondente da Lusa e residente em Moscovo desde os anos 1970.
Para o jornalista, a importância histórica dos arquivos “é enorme” porque se ficaria a conhecer a rede internacional da antiga polícia política portuguesa.
Para a historiadora Irene Flunser Pimentel, autora da “História da Pide”, entre outras investigações sobre a polícia política e o Estado Novo, a questão do arquivo da PIDE deve voltar a ser abordada.
“É um assunto que já coloquei à Torre do Tombo, assim como colegas meus, porque eu acho que os arquivos devem regressar. Eles até podem ficar com cópias, mas os originais devem vir para cá”, afirma a historiadora, que defende que os historiadores devem “pressionar outra vez” para que o arquivo seja devolvido.
“Um grupo de historiadores deve começar a pressionar, outra vez, para que seja devolvido, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas também tem de haver interesse da Torre do Tombo”, onde se encontra o arquivo da PIDE.
Tal como José Milhazes, Irene Pimentel cita igualmente as fontes russas que referem a existência dos documentos em Moscovo.
“Há as fontes do arquivo Mitrokhine e há elementos do KGB que disseram que viram, de que coisas se tratavam, de que há muito material relacionado com as colónias e de tudo o que tem que ver com as agências secretas e com as polícias. O que dizem é que, sobretudo, terão ido muitas coisas sobre o relacionamento da PIDE e as agências secretas. Aqui (em Lisboa) não há nada sobre a Scotland Yard, não há nada sobre o MI5 e MI6 e há muito pouca coisa sobre a CIA”, diz Irene Pimentel.
Para a historiadora Raquel Varela da Universidade Nova e autora do livro “A História do PCP e a Revolução dos Cravos (1974-1975)”, o Governo português tem obrigação de fazer um pedido formal de devolução desse arquivo para se juntar ao restante arquivo da PIDE e pedir, “no imediato”, uma digitalização e a abertura do mesmo aos investigadores portugueses, uma vez que, afirma, a regra básica é a abertura dos arquivos passados trinta anos.
“Já estamos a falar de 45 anos e continuamos sem ter acesso a esse arquivo”, disse Raquel Varela à Lusa.
“Nós estamos a falar do arquivo da polícia política da mais longa ditadura da Europa e uma parte essencial desse arquivo diz respeito aos anos 1960 e 1970, um período absolutamente rico da nossa História, que envolve uma mudança imensa em Portugal, envolve a Guerra Colonial e conflitos internacionais muito importantes”, conclui Raquel Varela.
A questão do alegado envolvimento do PCP na operação da suposta retirada dos documentos de Portugal para Moscovo também é abordada no livro de José Milhazes, mas o Partido Comunista Português, quando questionado pela Lusa, considerou que notícias sobre o envio de arquivos da PIDE para a União Soviética em 1975 assentam em “velhas falsificações”.
“Não merecem comentário afirmações desqualificadas assentes em velhas e recorrentes falsificações”, afirma o PCP.

3 comentários:

antónio m p disse...

Acabo de ler o seguinte comentário de Vitor Dias sobre o livro, o que trago aqui em benefício do contraditório:
http://otempodascerejas2.blogspot.pt/2013/09/vem-ai-mais-do-costume-ou.html

Anónimo disse...

o poder com que os russos ficaram à conta disto e o que com ele fizeram e fazem faz com que nunca sejam devolvidos

Lura do Grilo disse...

O PCP continua com os tiques do costume. Bem sabemos como queimaram jornais e revistas que não lhe agradavam depois do 25 de Abril.