Em plena "perestroika", o Kremlin chegou a hesitar se apostava em Eduardo do Santos ou em Savimbi, muito por causa do efeito que o líder da UNITA provocou em Eduard Chevarnadzé, ministro dos Negócios Estrangeiros da União Soviética. |
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Mas se Jonas Savimbi conquistou a simpatia pessoal de Eduard Chevarnadzé, ministro dos Negócios Estrangeiros da União Soviética, a verdade é que nunca deixou de ser um dos homens mais procurados pelos serviços soviéticos e, depois, russos.
Em 1988, Savimbi encontrou-se com Chevarnadzé no edifício das Nações Unidas em Nova Iorque e, a seguir, o chefe da diplomacia soviética reconheceu a um dos seus assessores: "Recordo o encontro com Savimbi, dirigente da oposição angolana. A propaganda, recorrendo a palavras suaves, não o elogiava e eu aceitei, com algum receio, conversar com ele. Constatei que era um homem muito culto, médico, inteligente. Então, conversámos muito bem e chegámos a acordo sobre muita coisa".
Vladimir Kazimirov, então embaixador soviético em Luanda, comentou, em declarações à Lusa, estas palavras de Chevanadzé: "Depois do encontro de Chevarnadzé com Savimbi em Nova Iorque, em Moscovo quase surgiram hesitações: em quem apostar em Angola? A nossa embaixada defendia a aposta em dos Santos a despeito da moda de então e no ponto mais alto do poder dos "democratas" de toda a espécie. Os assessores de Chevarnadzé e até a nossa imprensa começatam a pintar Savimbi com cores bonitas, sublinhar a sua inteligência, sentido de humor, etc.".
A fim de travar essa onda, Kazimirov recordou que "na UNITA havia não só o culto de Savimbi, mas também feitiçaria, castigos corporais e outras "pérolas democráticas medievais"".
Antes e depois deste episódio, os serviços secretos soviéticos e, mais tarde, russos, envolveram-se directamente no combate à FNLA de Holden Roberto e à UNITA de Jonas Savimbi, tentando também conseguir a liquidação física do líder do "Galo Negro".
"Apoiando-se nos Estados Unidos e na África do Sul, no início de 1975, a FNLA e a UNITA tentaram conquistar Luanda, capital de Angola. Os serviços de reconhecimento externo soviéticos entraram em contacto com Agostinho Neto (...) Na base das informações desses serviços, o governo soviético decidiu enviar urgentemente para Luanda armamentos para repelir a intervenção externa (...) Os invasores sofreram uma derrota demolidora e foram obrigados a recuar para o norte, quase até à fronteira do Zaire. Os serviços de reconhecimento externo soviéticos fizeram gorar a operação da CIA para conquistar Luanda e entregar o poder a H.Roberto e J. Savimbi" - lê-se na história oficial do Serviço de Reconhecimento Externo (SVR, ex-KGB) da Rússia.
Em finais de Dezembro de 1984, quando Savimbi participava num comício da UNITA, aviões MIG, tripulados por pilotos soviéticos, bombardearam o local para o liquidar.
Serguei Kononov, veterano russo da guerra em Angola, escreveu no seu diário a 24 de Dezembro de 1984: "às quatro horas, fui a casa de Slavik Paskal (piloto soviético) e ele preparava as malas.
- Para onde vais? - Talvez amanhã deva regressar à URSS.
- Porquê? - Dizem-me que não posso ficar aqui.
Compreendi que algo estava mal. Na manhã seguinte, ele foi para o aeroporto.
- Foste tu que deste cabo de Savimbi? - Não sei, só vi que eles, de camisas vermelhas, fugiam do comício".
Dessa vez, os soviéticos falharam, mas, em Fevereiro de 2003, logo a seguir à morte de Savimbi, alguma imprensa russa não se esqueceu de recordar que, na realização da operação, as tropas angolanas contaram com a colaboração dos serviços secretos russos.
Serguei Kolomnin, veterano russo da guerra em Angola, escreve no seu livro "Tropas especiais russas em África": "De súbito tocou o telemóvel. Telefonou-me de Luanda um dos nossos conhecidos que trabalhavam por contrato com as forças armadas governamentais. Deu-nos os parabéns e disse entre outras coisas: Acabou tudo, rapaziada, as tropas especiais mataram Savimbi. Por isso a guerra chega ao fim e talvez nos mandem para casa dentro de pouco tempo".
Oficialmente, as autoridades soviéticas sempre afirmaram que em Angola não combatiam militares seus, mas a realidade é bem diferente.
Segundo dados recentemente revelados, em território angolano, no período entre 1975 e 1991, combateram cerca de 11 mil militares soviéticos, entre os quais 107 generais e almirantes, 7211 oficiais, mais de 3,5 mil cabos, furriéis, praças.
Quanto a baixas, o número oficial é de 11 mortos, entre os quais sete oficiais e quatro praças.
Porém, Serguei Kolomnin considera que o número de mortes é bem maior: "Durante os 17 anos de cooperação político-militar com Angola, que terminou com a desintegração da URSS, as nossas perdas, segundo os meus cálculos, foram superiores a cem pessoas".